Os pontos de memória nasceram da parceria entre o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) e o Ministério da Cultura como forma de materializar o direito à memória que, na verdade, sequer temos a consciência de que esse é um direito de fato e não apenas uma expectativa de direito.

Com isso, em 2009 nasceu o Programa Pontos de Memória, resultado do somatório de esforços entre os Programas Mais Cultura, do Ministério da Cultura e do Programa Nacional de Segurança Pública e Cidadania – PRONASCI, do Ministério da Justiça, com o objetivo de identificar, apoiar e fortalecer iniciativas de memória e museologia social pautadas na gestão participativa e no vínculo com a comunidade e seu território.

É a busca pelo reconhecimento e valorização da memória social dos diferentes grupos sociais do Brasil, direito este que tem de ser desenvolvido de forma democrática com foco na inclusão e na transformação social.

Com este objetivo aprovamos junto ao Fundo Estadual de Cultura através do edital 06/2023 Funcultura/Secult-ES o Projeto Ponto de Memória das Rendeiras de Bilro do Espírito Santo, para registrar em textos, fotos e vídeos, num site, todas as histórias passadas e presentes das rendeiras da Barra do Jucu, em Vila Velha e do Espirito Santo como um todo.  Pretendemos assim, continuar construindo novas pontes para o futuro.

O resgate da memória das rendeiras de bilro, reconhecer o protagonismo destas mulheres em suas comunidades e no contexto sócio cultural em que estavam e estão inseridas é a base desse trabalho. É fortalecer este importante instrumento da cultura popular tradicional e torná-lo cada dia mais próximo e acessível aos capixabas.

Este é um site em construção, pois pretendemos a cada dia acrescentar novos registros e histórias deste ofício que já foi muito presente nas comunidades litorâneas do Espírito Santo, com um forte polo na Barra do Jucu. Já contribuímos efetivamente para o resgate das rendas de bilros da comunidade de Meaípe, em Guarapari que hoje é uma realidade e certamente apoiaremos outras comunidades para que cheguem a esse ponto.

Nossa determinação de trabalho e visão de futuro é que um dia as terras capixabas voltem a ser referência na confecção manual das rendas de bilro. Chegaremos lá!

Pioneiras

As mulheres que fizeram história da rendas de bilro na Barra do Jucu

A renda de bilro como manifestação da cultura popular chama muito a atenção do público. Onde quer que vamos, com nossas almofadas e bilros, com a renda que produzimos, ou os produtos onde aplicamos a renda, chamamos a atenção do público, com manifestações de reconhecimento e admiração.

São frutos de uma longa caminhada de resgate deste ofício, praticamente extinto na Barra do Jucu. Mas que traz em si a sabedoria de muitas mulheres desta comunidade que, no passado, fizeram da renda de bilro não apenas um passatempo e um instrumento de convivência, mas um meio de colaborar de somar nas economias domésticas e sustentar suas famílias.

Não conseguimos contar a história de todas essas rendeiras pioneiras da Barra do Jucu. Mas queremos, neste espaço, deixar pelo menos seus nomes registrados na história desta arte que hoje, por justiça, lutamos para que que tenham o devido reconhecimento.

Algumas das rendeiras que fizeram história na Barra do Jucu:

Dona Bernardina Vieira

Dona Bernardina foi a rendeira mais antiga que temos registro na Barra do Jucu. Iniciou uma grande família e foi a pioneira deste ofício na comunidade.

Ensinou muitas mulheres da comunidade a fazer renda, principalmente suas filhas.

Darcy Vieira dos Santos, Ester Vieira dos Santos, e Elza Vieira da Conceição. Todas faziam e comercializavam renda de bilro para colaborar no sustento da família.

Seu legado é reconhecido na comunidade e continua vivo através de netas e bisnetas. Entre elas estão Ruth Cléia Machado de Souza, neta que participa do Grupo Barra de Renda, e Mariza Vieira Gervásio, sua bisneta, que além de rendeira é professora do ofício para muitas das pessoas que se desafiam nesta arte.

Luzia Bianco Lyra

Dona Luzia Bianco Lyra foi uma grande rendeira da comunidade, junto com sua irmã Tilda Bianco.

Ela ensinou as próprias filhas e muitas mulheres da comunidade a arte da renda de bilro. Foi sua aluna Rosa Malta Leão, a Dona Rosinha, que ganhou da mestra sua primeira almofada de rendeira. Teve seis filhos e faleceu com mais de 90 anos.

É avó de uma das rendeiras do Grupo Barra de Renda, Joseny Lyra dos Reis Cruz. Joyce como gosta de ser chamada, conta que quando criança ficava deslumbrada com a avó e a mãe, Leonir Caldas Lyra, sentadas em esteiras, na frente da casa, fazendo renda. “Mas criança não podia mexer porque sujava a renda”, afirma.

A renda produzida por elas era vendida para costureiras do Centro de Vila Velha, e na viagem aproveitavam também para comprar a linha pra tecerem novas rendas.

“Vovó tinha uma rapidez, uma ligeireza muito grande. Ela separava e organizava os bilros, não errava nunca, tinha olho de vidro. E o mais impressionante é que ela não usava pique (gráfico com o desenho da renda), fazia tudo de cabeça”, afirma sua neta Joyce.

Dona Leonir Caldas Lyra, filha da rendeira Dona Luzia Bianco Lyra, e mãe de Joyce Lyra, além de rendeira, gostava de costurar, bordar e fazer crochê. Tinha muitos atributos, pois gostava muito das artes manuais, e principalmente de “arrumar noivas em dia de casamento”.

Dona Leonir faleceu em 2015 em um acidente.

Davina França de Paiva

Dona Davina também foi uma das mulheres que marcaram a história da renda na comunidade da Barra do Jucu. Ela não só fazia a renda, como ensinou as filhas Maria e Enedina a confeccionar rendas de alta qualidade e com grande reconhecimento.

Enedina foi uma exímia rendeira de bilros por toda vida. A outra filha de Dona Davina, Dona Maria de Paiva Rocha, também rendava muito. Mas como teve que administrar o Cartório da família, após a morte do seu pai João Cardoso de Paiva, deixou o trabalho de rendeira e suas almofadas de lado, sem nunca se esquecer dos ensinamentos da mãe.

Davina ensinou muitas rendeiras da Barra a fazer rendas e colocar seus piques nas almofadas, destacando-se entre elas, D. Julia, D. Mariones e D. Rosinha.

Grandes mestras no assunto, as mulheres da família faziam suas rendas na maior parte das vezes em casa na Barra do Jucu, pois eram muito tímidas para participar das rodas e grupos de rendeiras que se formavam para, além de fazer renda, também conversar e cantar cantigas de rodas. Em alguns momentos, se reuniam para fazer rendas com poucas amigas bem próximas na sombra da Igreja Nossa Senhora da Glória, situada em frente à sua casa.

Enedina França de Paiva

Foto: Zanete Dadalto

D. Enedina, como era conhecida, foi uma das mestras que colaborou com a formação do Grupo Barra de Renda, repassando o oficio através da oralidade, testando almofadas, bilros, pique e cavaletes pro grupo e ajudando a retomar a produção de renda manual a partir de 2014. Em 2020 ela foi reconhecida como Mestra da Cultura Capixaba – Prêmio Mestre Armojo – pelo Governo do Estado do Espirito Santo, através da SECULT. Faleceu em 2024 com 90 anos, mas fez e ensinou o ofício até seus últimos dias.

Suas rendas eram famosas e de uma qualidade incontestável!

Foto: Zanete Dadalto

Todo esse legado da família é herança agora da neta Maria da Glória Rocha. Glória Participa ativamente do Grupo Barra de Renda. Escolhe e desenvolve piques, faz bordados, costuras. Era companheira inseparável da tia, Dona Enedina. Era quem a acompanhava nos eventos para os quais era convidada, nas aulas que ministrava para as novas rendeiras, e quem levantava os bilros sempre que a tia iniciava um novo pique. 

Na imagem acima podemos ver a Dona Enedina, com Dona Rosinha, nas primeiras oficinas do Grupo Barra de Renda. 

Na imagem acima podemos ver uma homenagem do grupo Barra de Renda à Mestra D. Enedina – Praça Pedro Valadares – Barra do Jucu.

Dona Enedina, do alto de seus 90 anos, demonstrando para alunos da Escola Tuffy Nader como era feita a renda de bilro. 

A rendeira Dona Maria de Paiva Rocha, com cunhada Julia Ferreira de Paiva, revendo os piques com os quais iniciaram na renda de bilro, quando eram jovens. 

Rosa Leão Malta

Foto: Gabriela Zaupa

A alegria e o bom humor eram marcas registradas desta mestra.

Nascida e criada na Barra do jucu, em Vila Velha, era conhecida como Rosinha, filha de Luiza Bianco leão e de Reginaldo Dos Santos leão. Casou-se com Alarico Araujo Malta com quem teve oito filhos, muitos netos e bisnetos. Pertencia a duas das familias mais numerosas e respeitadas da Barra do Jucu, Leão e Malta, tendo sido amada e respeitada por todos da Comunidade. Não havia quem não gostasse dela!

Dona Rosinha aprendeu a fazer rendas com as rendeiras mais velhas da Barra, quando tinha apenas 11 anos. Era com essa idade que as meninas da Vila costumavam ingressar nesse oficio para ajudar na renda familiar. Em sua casa, a irmã Liceria Bianco Valadares, D. Mariquinha, era também uma exímia rendeira. A princípio, D. Rosinha e D. Mariquinha faziam rendas para ajudar à mãe. Depois de casadas, continuaram com o ofício para colaborar no sustento de suas próprias famílias.

Em 2015, contamos com Dona Rosa Leão Malta, mulher de garra e coragem invejável, ela desempenhou um papel fundamental em sua trajetória de vida quando aos 85 anos se dispôs a dar aulas de rendas de bilros para resgatar essa tradição.

Ela colocou os primeiros piques, testou os materiais já confeccionados sob a sua orientação e iniciou a primeira oficina de renda propriamente dita. Em 2016, diplomou a primeira turma formal de rendeiras de bilros da nova geração.

D. Rosinha ensinando como se faziam as almofadas de rendas de bilro.

Alunas da primeira turma de rendas de Bilro da Barra do Jucu – 2016.

Valorizava sua terra e sua cultura como ninguém e, em 2018 foi reconhecida como Mestra da Cultura Capixaba – Prêmio Mestre Armojo – pelo Governo do Estado do Espírito Santo, através da SECULT. Foi um momento de grande emoção para ela e toda a Comunidade que viu uma cidadã típica da Vila, ter seu esforço reconhecido por aquilo que a Barra do Jucu tem de mais notório: A valorização de sua cultura e de suas tradições. 

Participação no Vitória Moda 2017. Divulgação da Cultura e venda de produtos.

Dona Rosinha com Dona Enedina nos primeiros anos do processo de retomada da cultura da renda de bilro na Barra do Jucu. 

Homenagem do grupo Barra de Renda à Mestra D. Rosinha na Praça Pedro Valadares – Barra do Jucu.

Em outubro de 2019 D. Rosinha faleceu aos 89 anos e em novembro do mesmo ano, o grupo Barra de Renda fez uma homenagem a ela durante a maior feira de artesanato do Espírito Santo – ARTESANTO, contando com a presença de seus filhos e netos.

FAMILIA DE D. ROSINHA PRESENTE NA HOMENAGEM FEITA A ELA DURANTE A ARTESANTO 2019 – ANO DE SEU FALECIMENTO.

Em 03 de junho de 2022 foi publicada no Diário Oficial do Município de Vila Velha a Lei 6646 de proposição do vereador Joel Rangel que instituiu o dia 20 de julho – dia do nascimento de D. Rosinha – como DIA MUNICIPAL DA RENDA DE BILRO DE VILA VELHA.

Zenaide dos Santos Lyra

Dona Zenaide também foi uma das rendeiras pioneiras da Barra do Jucu. Veio de Caçaroca, em Cariacica, como muitas famílias que tinham o Rio Jucu, como elo ligação com a comunidade, pois aqui está a sua foz. Casou-se com o barrense nativo Manoel Santos Leão, conhecido como Noel Leão, e com ele construiu uma grande família com 10 filhos, sendo que três faleceram bem pequenos.

Quem conta sua história é a filha Laudiceia dos Santos Marvila, a Didi. “A maioria das famílias que moravam aqui eram muito pobres e faziam de tudo para sobreviver”. O pai era pescador e mãe também o acompanhava na pesca, mas também costurava numa máquina tocada à mão, buscava lenha nas matas próximas, e rendava. Tudo para colaborar no sustento da família.

A renda que Dona Zenaide fazia era vendida na feira de Aribiri, Vila Velha. Era o marido, Noel Leão, quem levava a renda para a feira, junto com o peixe salgado. “Mamãe não produzia muita renda, pois o trabalho era muito. Mas sempre que tinha tempo, ela estava na sua almofada, se juntava com as amigas rendeiras, pois todos eram amigas aqui. Nós éramos pequenos, mas a gente gostava de ficar ouvindo o barulhinho dos bilros trançando os fios”.

Orgulhosa do trabalho da mãe, Didi ainda guarda peças com renda feita pela mãe, com uma toalha de banho de tecido e um centro de mesa, memórias de um tempo em que a renda de bilro não era tão valorizada, mas era um elo de ligação entre as famílias da Barra do Jucu.

Registro do dia do casamento de Laudiceia, Dona Zenaide é a primeira à esquerda. O filho Joel Leão em pé nos fundos, a dama é Márcia Valadares e o pajem Roberto Valadares. Os noivos Didi e Joaquim, e os padrinhos Ondina e Valter Simões. 

Peças com rendas feitas por Dona Zenaide e guardadas pela filha Laudiceia.

Entrevistas – Memórias das Rendas de Bilros Capixabas

Laudicéia, Bernadete e Iocléia

Memórias.

O legado do passado que se faz presente, que mantém viva a história e constrói pontes com o futuro! Importante para transmitir de geração em geração a cultura de um povo, seus modos de pensar e fazer, seus valores e tradições.

Este é o propósito do grupo Barra de Renda ao realizar o Projeto Ponto de Memória das Rendeiras de Bilro do Espírito Santo.

Queremos resgatar muito mais que a história de um ofício que, quase, se perdera no tempo. Mais que isso, nos propomos a reconhecer a contribuição de tantas mulheres fortes, que com mãos hábeis teciam rendas, transbordavam afetos e marcaram seu tempo com seus jeitos simples, alegres e modos de vida comunitários.

Neste vídeo vamos ouvir a história de três mulheres ligadas pelas memórias afetivas da renda de bilro.
Você vai conhecer Laudiceia Santos Marvila, a Didi, e Bernadete Vieira, ambas filhas de rendeiras tradicionais da Barra do Jucu e Iocleia Aureliano Guszansck, uma quilombola que veio para a Grande Vitória ainda criança, mas quer manter viva a história da avó rendeira e sua almofada, em um quilombo no Norte do Espírito Santo. Hoje ela se tornou mulher rendeira e contribui muito com o Barra de Renda.

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado durante um dia de sol, apresentando três mulheres que estão sendo entrevistadas em um local chamado República da Barra, localizado na Barra do Jucu, em Vila Velha, no estado do Espírito Santo. O local é bem agradável e tem a aparência de um quintal arborizado, com árvores que fazem sombra. Circulando no local, estão pessoas que interagem entre si e participam de uma feira de variedades, inclusive integrantes de uma banda de congo que estão se preparando para se apresentar].

Joecy Lyra dos Reis Cruz

Ela é neta e filha de rendeira, então rendeira ela é!

Vamos conferir o depoimento da rendeira Joecy Lyra dos Reis Cruz, que faz parte do grupo Barra de Renda.

Sua avó, Dona Luzia Bianco Lyra foi uma grande rendeira da comunidade, junto com sua irmã Tilda Bianco. Ela ensinou as próprias filhas e muitas mulheres da comunidade a arte da renda de bilro. Foi sua aluna Rosa Leão Malta, a Dona Rosinha, que ganhou da mestra a sua primeira almofada de rendeira. Teve seis filhos e faleceu com mais de 90 anos.

A mãe de Joyce, Dona Leonir Caldas Lyra, além de rendeira, gostava de costurar, bordar e fazer crochê. Tinha muitos atributos, pois gostava muito das artes manuais, e principalmente de “arrumar noivas em dia de casamento”.

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado em um ambiente fechado, dentro da residência da entrevistada, localizada na Barra do Jucu, em Vila Velha, no estado do Espírito Santo. Joecy é uma mulher loira, branca e está sentada ao lado de uma almofada com bilros que está posicionada em cima de um cavalete. Ao final do vídeo, quando inicia a música, aparece as mãos de Joecy praticando a renda].

Marilena Soneghet

Ela é escritora, poetisa, pintora, música, atriz e muito mais.

E claro, uma pessoa assim se apaixona sempre por tudo que é bom, principalmente da cultura popular.

Esta é Marilena Vellozo Soneghet Bergmann, que adotou a Barra do Jucu como seu lar há muitas décadas.

Tudo que encanta e toca seu coração, em suas mãos se transforma em poesia, música e crônicas que enchem os ouvidos.

E não poderia ser diferente com a renda de bilro. A delicadeza do cruzamento de fios já a inspirou a escrever poesias, a cantar e a criar laços afetivos para sempre.

Ela não é rendeira de ofício, mas de alma. Cruza letras e palavras em belas composições. Vamos conferir nesta edição os seus laços afetivos com a renda de bilro e a comunidade da Barra do Jucu.

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado na residência da entrevistada Marilena, em dois ambientes, parte em ambiente fechado, com dezenas de objetos decorativos e parte em ambiente aberto, com demais objetos decorativos e plantas, na Barra do Jucu, em Vila Velha, no estado do Espírito Santo. Marilena é uma mulher branca e de cabelos curtos. Quando inicia a música, Marilena é quem canta e toca o violão].

Kleber Galvêas e Anita Bonadiman

Aos sete anos de idade ele veio à Barra do Jucu, pela primeira vez, com a mãe para comprar renda de bilro.

Uma amiga da família havia falado para sua mãe das belas rendas produzidas na comunidade. E ele, tão criança ainda, ficou encantado com o lugar que tomou uma decisão muito importante para idade. – “Quando me casar vou vir morar aqui”, falou para o pai.

O rapaz cresceu, se tornou um pintor famoso, viajou pelo mundo. Mas quando se casou, em 1974, cumpriu a promessa e aqui veio morar com a esposa, aqui teve os filhos, aqui fixou residência pra sempre.

Estamos falando do pintor Kleber Galvêas, casado com a professora e rendeira Anita Bonadiman.

Ele recebeu a equipe do Projeto Ponto de Memória, realizado pelo Grupo Barra de Renda, para falar desta relação afetiva com a Barra do Jucu, com as rendeiras, os pescadores e os encantos naturais deste lugar. Confira!

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado na residência dos entrevistados Kleber e Anita, na Barra do Jucu, em Vila Velha, no estado do Espírito Santo. Os dois estão sentados na varanda, em local amplo, com uma janela acima de uma bancada, com livros, quadros e objetos decorativos. Kleber é um homem branco, com barba e cabelos brancos. Anita é uma mulher branca de cabelos curtos, ambos com estatura média].

Rita Lacerda

A inclusão é um dos valores que move o Grupo Barra de Renda.

Em nosso meio acolhemos e valorizamos primeiro a pessoa, depois verificamos se, com suas diferenças, é necessário um tratamento especial, alguma medida que contribua para melhorar sua permanência entre nós.

E foi assim que recebemos uma rendeira pra lá de especial, uma baiana “arretada”, apaixonada por renda de bilro e que veio dar os primeiros passos nesta arte aqui na Barra do Jucu.

Esta é a Rita Lacerda, uma cadeirante que adora aventuras e que não mede esforços para aprender a rendar.

Ela sai do município da Serra, todo sábado, e vem para a Barra do Jucu realizar o seu sonho, incentivada pela amiga e também rendeira Ana Cristina Pôncio, moradora de Jardim Camburi, em Vitória.

Nesta edição, entrevistada pelas instrutoras Marisa Vieira Gervásio e Rosiane Biet, e com a participação da coordenadora Regina Ruschi, ela conta como foi seus primeiros contatos com o Grupo Barra de Renda, como foi acolhida pelo grupo.

E também como tem levado sua experiência para mulheres de Itamaraju, na Bahia, que enfrentam o luto pela perda parentes.

Rita seja sempre bem vinda à Barra do Jucu e ao Grupo Barra de Renda!

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado no Ateliêr do Grupo Barra de Renda, local com clores claras e bem iluminado, com a presença de Rita Lacerda, das instrutoras de renda de bilro Mariza Gervásio e Rosiane Biet, e também a coordenadora do grupo Regina Ruschi, em ambiente fechado, com dezenas de objetos decorativos. O Ateliêr fica localizado na Barra do Jucu, em Vila Velha, no estado do Espírito Santo. Todas as mulheres estão sentadas. Marisa e Rosiane estão do lado esquerdo, Rita no centro, tecendo renda e Regina está do lado direito do vídeo, que aparece apenas uma vez.]

Dona Giza

Muita gente tem participado da tarefa de fazer com que o Espírito Santo volte a ser referência na confecção de renda de bilro. Direta ou indiretamente, são muitas mãos e corações que lutam para que o ofício de rendeira continue vivo em nossa história. E uma pessoa em especial tem feito muito por este sonho.

É dona Giza Guimarães Ruschi, de 93 anos e que há dez participa desta luta com muita determinação e garra. Moradora de Vitória, Dona Giza assumiu esta tarefa com muita dedicação, como tudo que fez e faz na vida. Mãe da coordenadora do Grupo Barra de Renda, Regina Maria Ruschi, e colaborando com a filha, ela deu os primeiros passos do ofício aos 84 anos. Costureira, bordadeira, crocheteira, ela desvendou os mistérios da renda de bilro com a ajuda das mestras Dona Rosinha e Dona Enedina. Mas também, com a filha, buscou ajudar a ensinar às demais aprendizes através dos conhecimentos extraídos de uma apostila digital que sua nora emprestou. Para que o projeto fosse a frente, ajudou voluntariamente a produzir as primeiras almofadas e bilros para o grupo.

Se dedicou tanto que se tornou uma rendeira “de mão cheia”, confeccionando “quilômetros de renda”, como diz sua filha Regina. Atualmente produz uma infinidade de toalhinhas bordadas que é o produto campeão de vendas do Barra de Renda. Confira a bela entrevista com esta mulher forte, de muita fibra, mas delicada como são as rendas e rendeiras do ES. 

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado na residência de Dona Giza, em Vitória, no estado do Espírito Santo, ambiente fechado, com clores claras e bem iluminado, com móveis e dezenas de objetos decorativos. Conta com a presença de Marina Filetti, Maria Filetti, Ricardo Vereza e Paulinho e Regina Ruschi, filhos de Giza. Todas as pessoas estão sentadas. Ricardo e Maria estão no mesmo sofá; Marina está em pé filmando e entrevistando e; Regina está sentada em uma poltrona ao lado de sua mãe, Giza, com um cavalete com almofada e renda de bilro no meio].

Enedina

Confira nesta edição o depoimento desta mestra que nos inspirou a lutar pelo resgate da renda de bilro na Barra do Jucu e no Espírito Santo.

Enedina França de Paiva, a Dona Enedina, de 89 anos, foi uma das últimas rendeiras da Barra do Jucu, Vila Velha – ES.

Resistiu à investida das rendas industriais, nunca desistiu de sua almofada e confeccionou renda artesanalmente até nos seus últimos dias.

Colaborou desde 2015 das ações – oficinas, feiras, eventos estaduais, projetos e muito mais – para resgate da confecção de renda de bilro, realizadas pelo grupo Barra de Renda.

Tímida, de poucas palavras, mas de muita sabedoria, nos legou seu conhecimento com muito carinho e humildade.

Em 2020 recebeu do Governo do Estado o PRÊMIO “Mestre Armojo do Folclore Capixaba” e o reconhecimento como uma das mestras da cultura popular capixaba.

Perdemos nossa mestra em 17 de maio de 2024, mas herdamos sua fé na vida e na cultura de nosso povo.

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado na residência de Dona Enedina, na Barra do Jucu, no estado do Espírito Santo, na varanda, ambiente coberto, com cores claras e iluminado pela luz do dia. Enedina está sentada, na frente da almofada e cavalete, fazendo renda de bilro. Enedina é uma mulher parda, de cabelos curtos e grisalhos, usando óculos de grau].

Dorinha, Mariza, Tânia, Ruth e Otaviano

Quando abordamos a cultura popular de Vila Velha, e mais precisamente da Barra do Jucu, a família de Dona Doracy Vieira Gervásio, a Dona Dorinha, é a expoente mais credenciada a falar sobre o assunto.

Se tem congo, lá estão eles. E se tem poesia ou literatura também. No artesanato novamente encontramos os Vieira Gervásio. E não poderia ser diferente na renda de bilro, é claro.

A tradição de rendeira na família vem de longe. Começou com Dona Bernardina Vieira, a rendeira mais antiga que se tem notícia na Barra do Jucu, ofício que passou para as filhas, inclusive dona Darcy Vieira. Ambas são avó e mãe de Dona Dorinha.

Esta, por sua vez, como tinha muitas tarefas na família, não teve tempo de aprender a rendar. Mas quem trouxe no sangue esse oficio foi a filha, Marisa Vieira Gervásio.

Marisa não conheceu a bisavó, nem viu a avó fazer renda. Mas quando se viu diante de uma almofada e dos bilros, deixou fluir esta herança artística, e não só aprendeu a renda, como se tornou professora no assunto, e hoje é a instrutora do Barra do Barra de Renda, ensinando mulheres de todo o Estado e até de fora, a arte da renda artesanal.

Além de Marisa, outra filha de Dona Dorinha, Tania Maria Vieira e o marido Otaviano Marques Cavalcante, o Rabicó, fazem parte do Barra de Renda. Ela confeccionado as almofadas, e ele os bilros, instrumentos utilizados na confecção da renda.

Também da família e neta da pioneira Dona Bernardina Vieira, Ruth Cléia Machado Vieira viu a avó fazendo renda. Mas achou difícil aquele cruzamento de fios, e só recentemente encarou o desafio e é uma das integrantes do Barra de Renda.

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado na varanda da residência de Dona Dorinha. Local claro e iluminado com a luz do dia, com tons verdes, que fazem referência as cores da Banda de Congo Tambor Jacaranema, banda na qual Dorinha é a rainha. No local, todos estão sentados enquanto falam, exceto Mariza, que está de pé. Ao redor, existem vários objetos da casa de Dorinha. Encontra-se no local também, cavaletes com almofadas e rendas de bilro].

Idraumira, Eliane, Ismélia, Dilma e Rosali

Você sabia que a comunidade de Meaípe, em Guarapari, também já foi um polo de rendeiras de bilro?

A história é semelhante à da comunidade da Barra do Jucu, em Vila Velha.

Com o avanço das rendas industrializadas, o mercado da renda manual quase desapareceu e as rendeiras tiveram que “aposentar” suas almofadas e a arte quase foi esquecida.

Isso só não aconteceu de fato porque algumas “teimosas” insistiram e continuaram a fazer rendas em casa, que eram guardadas em suas caixinhas.

Mas como “a união faz a força”, as rendeiras de Meaípe também estão resgatando esta arte da cultura popular e reacendendo este ofício no coração e nas mãos de muitas mulheres da comunidade.

Há dois anos elas criaram o grupo Rendas de Meaípe que hoje conta com a participação de sete mulheres orientadas pelas mestras Idraumira Bourgnon, chamada carinhosamente de Dona Grauma, de 77 anos, e Dona Dilma Sant’Ana, de 76 anos.

Inicialmente apoiadas pelo Grupo Barra de Renda, da Barra do Jucu, elas criaram coragem e levaram o projeto em frente. Hoje já participam de feiras e eventos culturais, levando a renda de bilro de Meaípe para muitos lugares.

Nesta edição você vai conhecer as histórias de Meaípe e das mestras e alunas da comunidade, empenhadas em tornar a comunidade novamente conhecida por suas rendas e rendeiras.

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado na calçada em frente a sede do grupo de rendeiras de Meaípe. Local claro e iluminado com a luz do dia. A parede da sede tem cor de tom rosa, com janelas de vidro, com porta de grade de ferro. Um banner está pendurado identificando as rendeiras. Ao longe é possível ver casas pela rua. Postes, fiação e pequenas árvores nas calçadas. No local, as rendeiras estão sentadas enquanto falam, na frente de seus cavaletes, com almofadas e rendas de bilro. Da direita para a esquerda: Mestra Idraumira Bourgnon (Dona Grauma), Aluna Eliane Tavares de Oliveira Lamim, aluna Ismélia Costa Belmont, Mestra Dona Dilma Sant’Ana e aluna Rosali dos Santos Vaz.].

Maria e Júlia

A Barra do Jucu teve grandes rendeiras de bilro.

Num tempo em que as famílias enfrentavam grandes dificuldades financeiras, estas mulheres faziam deste oficio um meio de contribuir com o sustento das famílias.

Uma desta mulheres foi dona Davina França de Paiva. Ela não só fazia a renda, como ensinou as filhas Maria e Enedina a confeccionarem rendas de alta qualidade e com grande reconhecimento.

Grandes mestras no assunto, as mulheres da família faziam suas rendas em casa na Barra do Jucu, pois eram muito tímidas para participarem das rodas e grupos de rendeiras que se formavam para, além de fazer renda, também conversar e cantar cantigas de rodas.

Neste vídeo você vai conhecer sua filha, a Dona Maria de Paiva Rocha, hoje com 88 anos, também foi grande rendeira.

Vai ouvir as histórias de Dona Julia Ferreira de Paiva, nora de Dona Davina, que ainda é rendeira ativa.

E também da neta de Dona Davina, a Maria da Gloria Rocha.

Glória participa ativamente do Grupo Barra de Renda. Escolhe e desenvolve piques, faz bordados, costuras.

Era companheira inseparável da tia, Dona Enedina França de Paiva, mestra do Grupo Barra de Renda, que faleceu em 2024.

São histórias registradas pelo Projeto Ponto de Memória das Rendeiras de Bilro do ES, realizado pelo Grupo Barra de Renda, aprovado no Edital 06/2023 do Funcultura/SECULT ES, para registrar e salvaguardar as histórias maravilhosas dessa Cultura Popular Tradicional Capixaba!

#ParaTodosVerem [Este vídeo foi gravado na sala da residência de Maria, na Barra do Jucu. Local claro e iluminado com luz artificial. A parede da sede tem cores tons de verde claro, com janelas de vidros coloridos. No local, Maria, Júlia e Glória estão sentadas em sofá e cadeira enquanto falam, ao lado do sofá tem um cavalete, com almofada e renda de bilro.].

Dona Ione

Entrevista com Dona Ione para o Projeto Ponto de Memória das Rendeiras de Bilro do ES na sua residência na Barra do Jucu, no dia 14 de fevereiro de 2025, com a participação de Regina Maria Ruschi, Marina Filetti, Maria da Gloria Rocha e Pâmela Biet.

Ela tem 84 anos, é filha de pescadores, casou-se com um pescador, é mãe de pescadores e, é claro, rendeira de bilro.

Esta é Dona Mariones dos Santos Regis, mas que na Barra do Jucu é a Dona Ione.

É uma das muitas mestras que a Barra do Jucu, em Vila Velha (ES) gerou, guardiã de muitos saberes populares e principalmente da memória desta comunidade que é protagonista de muitos capítulos da história do Espírito Santo.

Dona Ione começou a fazer renda aos nove anos de idade com uma das pioneiras deste oficio por aqui, Dona Davina França de Paiva e suas filhas Maria e Enedina. Participou dos grupos de mulheres que se reuniam às tardes para rendar.

Mas como toda moça da época, casou-se cedo, aos 17 anos, e teve que cuidar dos novos compromissos de mulher casada: filhos e a casa. Por isso deixou a renda de lado, só voltando à almofada, bilros e piques de vez em quando.

Em entrevista à equipe do Projeto Ponto de Memória das Rendeiras de Bilro do Espírito Santo Dona Ione relembra o passado, os nomes de suas companheiras de renda, das pioneiras neste ofício na Barra do Jucu e região, e comprova a ligação entre a renda e pesca.

O Projeto Ponto de Memória das Rendeiras de Bilro do ES é mais uma ação do Grupo Barra de Renda aprovado no Edital 06/2023 do Funcultura/SECULT ES, para registrar e salvaguardar as histórias maravilhosas dessa Cultura Popular Tradicional Capixaba!

Confira a entrevista com mais uma das mestras desta arte popular da cultura capixaba, transcrita na íntegra:

Equipe do Projeto – Dona Ione fala pra nós o seu nome completo, sua idade?

Dona Ione – Meu nome é Mariones dos Santos Regis, mas a maioria me conhece como Ione.

Equipe do Projeto – Com quantos anos a senhora começou a fazer renda?

Dona Ione – Desde os nove para dez anos.

Equipe do Projeto – Naquela época criança não mexia na renda, e deixaram a senhora começar tão novinha?

Dona Ione – Não, a gente aprendia as coisas bem cedo. Não tinha esse negócio de ficar velho para aprender não.

Equipe do Projeto – E a senhora aprendeu com quem?

Dona Ione – Com a Dona Davina e as filhas dela Enedina e Maria.

Equipe do Projeto – E a senhora fez renda por quanto tempo?

Dona Ione – Fiz por muito tempo, até começar a me preparar para casar. Depois que casei, andei fazendo, mas só para o uso próprio.

Equipe do Projeto – E como a senhora vendia a sua renda?

Dona Ione – Aqui não tinha movimento nenhum, então a gente juntava duas, três pessoas, colocava numa caixinha, saia pra Vila Velha, pra Vitória, andava o dia inteirinho, batia de porta em porta oferecendo para ver se tinha alguém que queria comprar.

Equipe do Projeto – E era difícil vender?

Dona Ione – Era, era muito difícil. Quando a gente conseguia vender três, quatro pecinhas de cinco metros cada uma, era uma glória pra gente.

Equipe do Projeto – E vocês vendiam a renda a metro?

Dona Ione – Sim, era a metro. A gente fazia as pecinhas de cinco metros, dez metros, pra poder vender.

Equipe do Projeto – a senhora juntava a renda com mais quem para ir vender?

Dona Ione – Juntava com outras pessoas, outras colegas, colocava tudo numa caixinha, e a gente ia pra Vitória, pra Vila Velha e batia palma de porta em porta oferecendo nossa renda.

Equipe do Projeto – E para fazer a renda, a senhora se juntava com outras mulheres aqui da Barra?

Dona Ione – A gente juntava a turma, às vezes elas iam lá pra casa, outras vezes eu ia pra casa delas. A gente juntava a turma pra poder ficar mais alegre, a gente conversava muito. E às 4 horas (16 horas) a gente juntava as almofadas, guardava tudo e voltava pra casa.

Equipe do Projeto – A senhora se lembra dos nomes dessas amigas?

Dona Ione – Era eu, a Agripina, a Lenira, a Rosinha, que não era a Rosinha Leão não. Tinha uma porção de gente que se juntava para fazer renda.

Equipe do Projeto – E aí a senhora se casou com quem e teve muitos filhos?

Dona Ione – Meu marido se chamava Oiles Regis com quem eu tive 6 filhos, quatro homens e duas mulheres.

Equipe do Projeto – A renda que a senhora fazia contribuía com o sustento da família?

Dona Ione – A renda eu só fazia quando era solteira. Depois que casei eu só andei fazendo para minhas filhas ver. Depois de casada eu só cuidei dos filhos, da casa.

Equipe do Projeto – A senhora casou com quantos anos?

Dona Ione – Com 17.

Equipe do Projeto – Vocês faziam renda nas suas casas, na praça?

Dona Ione – Cada uma fazia na sua casa. A gente avisava: amanhã eu vou lá na sua casa fazer renda. E aí a gente colocava a esteira no quintal, do lado de fora que tudo era grama, debaixo da árvore, na sombra, ou dentro de casa e ali a gente fazia renda. Na casa da Dona Davina, a gente fazia na sala.

Equipe do Projeto – Naquela época, tinha alguma criança que começou a fazer renda com vocês?

Dona Ione – Não, não me lembro. Criança não. Essa turma foi dispersando e acabou. A única pessoa que continuou fazendo renda aqui, que nunca abandonou, foi a Didina (Dona Enedina). O resto todo mundo abandonou.

Equipe do Projeto – depois que a senhora se casou, algumas daquele grupo de amigas continuou a fazer renda?

Dona Ione – Algumas continuaram em casa, mas não fazia mais para vender, pra viver daquilo ali. Fazia mesmo por fazer, por distração. Agora Enedina nunca parou.

Equipe do Projeto – A senhora casou em que ano?

Dona Ione – Em 1958. Casei com 17 anos em janeiro. Em junho eu fiz 18.

Equipe do Projeto – Dona Ione, aqui eram todas ligadas a famílias de pescadores?

Dona Ione – É, aqui todo mundo era assim, não tinha ninguém diferente. Só depois alguns foram trabalhar na prefeitura, mas isso foi muito depois. Aqui era só mesmo pesca e só.

Equipe do Projeto – E as mulheres tinham alguma outra renda?

Dona Ione – Não. Aqui só se fazia renda ou era só pra criar filho e tomar conta de casa. E algumas lavavam roupa pra fora, pra Vila Velha, pra prefeitos, médicos. A minha tia mesmo lavou muita roupa para o Dr. José Luis Schinaider (Médico famoso em Vila Velha).

Equipe do Projeto – Mas vocês ajudavam a cuidar do pescado também?

Dona Ione – Não. Eles apanhavam a pesca e vendia. Levava pra vender no mercado de Vitória, em Vila Velha, ou vendia aqui. O que ficava em casa era só pra despesa. Aí se salgava e comia porque não tinha como guardar, porque naquele tempo não tinha congelador, geladeira. O único jeito de guardar por um tempo era salgando.

Equipe do Projeto – Salgava muita guaibira?

Dona Ione – Não. Salgava tudo, sarda, guaibira, enchova, xaréu, cação, salgava todo tipo de peixe, a sardinha que é a manjuba hoje. Quando dava muita sardinha de rede, cada um levava a sua parte, salgava, botava pra secar, depois quando aparecia o pessoal do interior, vendia aquilo tudo que sobrava. Eu comia muita sardinha assada na brasa, era muito gostoso.

Equipe do Projeto – Aqui, nessa época, os homens faziam as redes de pesca?

Dona Ione – Sim. Todos eles.

Equipe do Projeto – E as almofadas das rendas, vocês mesmas que faziam?

Dona Ione – Sim. Tudo era artesanal, tudo era fabricado pela gente. A gente fazia tudo, do começo ao fim. Não tinha nada nem onde comprar.

Equipe do Projeto – Os bilros, vocês faziam também?

Dona Ione – A gente fazia também.

Equipe do Projeto – E os coquinhos, de onde vinham?

Dona Ione – A gente catava nas matas ao redor daqui que tinha os coqueiros e a gente mesmo saia para buscar.

Equipe do Projeto – Era o buri (tipo de coqueiro)?

Dona Ione – Não, era o (coqueiro) pé de galinha. Aqui em Tapera (Itapuera) tinha um pé que a gente ia lá buscar.

Equipe do Projeto – Os maridos ajudavam a fazer os bilros?

Dona Ione – Sim. Quem fazia os cabinhos para os bilros eram eles. Meu tio então era especialista para fazer. Ele fazia da madeira de camará.

Equipe do Projeto – Qual era o nome dele?

Dona Ione – Era Tio Alcino Abreu, que era chamado de Sininho. Ele fazia tudo pra mim, lixava. A lixa nossa sabe qual que era? A pele do peroá. Não existia lixa, era com aquilo que se lixava.

Equipe do Projeto – Voltando às redes de pesca, os homens também faziam os fios para fazer as redes?

Dona Ione – Eles faziam as redes com fios de algodão. Eles urdiam o algodão e faziam o fio. Depois de um tempo, eles passaram a comprar o barbante. Aí eles só urdiam o fio para fazer tarrafa.

Equipe do Projeto – Era urdindo né?

Dona Ione – Era a palavra que a gente usava, não sei se é correta. Eu acho que o pessoal de antigamente, com toda a falta de ensino, eles falavam a palavra mais correta que hoje. Eles empregavam a palavra mais correta que hoje.

Equipe do Projeto – Eles não tinham ensino formal, mas da vida, da cultura popular.

Dona Ione – Eles falavam a palavra mais correta que hoje.

Equipe do Projeto – Eles eram mestres mesmo. Os pescadores, por exemplo, eles sabiam de tudo, eles entendiam do tempo, de pontos geográficos.

Dona Ione – Esse meu tio Sininho olhava assim (para o tempo) e dizia amanhã nós vamos pescar, nós vamos sair daqui as seis horas da manhã. Assim, quando era 11 horas, meia noite, ele olhava o tempo e dizia, é não vai dar não, o tempo vai mudar. Cinco horas da manhã o tempo tinha mudado.

Equipe do Projeto – Eles saiam de madrugada para botar o barco, não tinha luz não tinha nada.

Dona Ione – Era no facho, no lampião. O facho é um bambu que se enche de querosene e faz uma trouxa de pano velho, enfia nele e acende. A gente saia para pegar guruçá (espécie de carangueijo) na praia para pescar com aquele facho.

Equipe do Projeto – Aqui tem guruçá?

Dona Ione – Tem demais por aí e só sai de manhã e de noite. A gente pegava para ir pescar no mar.

Equipe do Projeto – Guruçá para pescar? Como eles faziam?

Dona Ione – Tirava a casca dele e o peitinho fazia a isca no anzol para pescar peixe de pedra, pargo, papa-terra, sargo de beiço, sargo de dente, garoupa. Peixe de pedra, esse que dá no mar, na pedra.

Equipe do Projeto – Eles sabiam onde dava cada peixe?

Dona Ione – Eles sabiam tudo. Lá de dentro do mar eles marcavam.

Equipe do Projeto – Do rio também conheciam todos os peixes? E o rio dava muito peixe?

Dona Ione – Demais. Era camarão da água doce, robalo, tainha, carapeba, pargo.

Morobá, cará e traíra eram peixes de brejo, de lagoa.

Equipe do Projeto – Seu Claudionor Coutinho (pai da Gloria, rendeira e membro da equipe do Projeto Ponto de Memória) também pescava?

Dona Ione – Seu Chichico não. Ele pegava era areia.

Equipe do Projeto – Seu avô sim (João Cardoso, proprietário do único cartório da Barra, marido de Dona Davina, pai de Maria e Enedina e avô da Gloria)?

Dona Ione – Seu João também não. Ele dava a rede de trasmalho para os outros pescarem para ele. Ele tinha cartório, era casamento, era certidão, tudo ele fazia. No ano que eu casei foi o ano que ele faleceu.  Quem fez meu casamento foi Maria, sua filha, mãe de Gloria e irmã de Dona Enedina).

Equipe do Projeto – Então a senhora pegou a Maria debutando no cartório?

Dona Ione – Sim, acho que foi o primeiro casamento que ela fez, ela chorou muito quando fez meu casamento. Não tinha nem uns 15 dias que seu João tinha falecido.

Equipe do Projeto – Dona Ione, o pessoal tinha muita ligação com a mata de Jacarenema?

Dona Ione – Sim.  Ali tirava madeira, do outro lado o pessoal tinha roça, tinha tudo ali. Tirava muita madeira para endireitar a casa, para fazer outras coisas.

Equipe do Projeto – as famílias daqui eram muito ligadas ao mar, ao rio, a Jacarenema?

Dona Ione – Só tinha aqui, só vivia aqui, todo mundo só vivia aqui, do mangue, do rio.

Equipe do Projeto – E a mata era bem grande?

Dona Ione – Era bem fechada. Eles iam ali para cortar vara para fazer cerca. Fazia cerca de varinha né. Cortava fechos e mais fechos de varinha (galhos) e não fazia falta, porque eles sabiam como cortar, não devastavam não.

Equipe do Projeto – E onde hoje é Terra Vermelha hoje, Jabaeté. Ali também era uma mata?

Dona Ione – Ali era outra coisa (Lugar). Ali era mata, era brejo.

Equipe do Projeto – As linhas que vocês faziam renda, vinha de onde?

Dona Ione – As linhas que a gente fazia renda a gente comprava na Vila Rubim (em Vitória). Era uns Carreteis grandes e os pequenos a gente usava para costurar. Tinha a linha 10 que era pra fazer uma renda mais grossa, e tinha os carreteis pequenininhos que era a linha mais fina que a gente usava para costurar.

Equipe do Projeto – Bem depois vocês ganhavam linha do pessoal da malharia (empresa de confecção de malha) instalada na Barra do Jucu?

Dona Ione – Quem ganhava muita linha da malharia era eu. Eles botavam muito fora e eu aproveitava. Fiz muita colcha de crochê com elas.  Até hoje eu tenho linha aí.

Equipe do Projeto – Dona Ione, isso foi em que época?

Dona Ione – (Não se lembrou).

Equipe do Projeto – Os piques das rendas, de onde vinham?

Dona Ione – Os piques a gente apanhava, a gente via uma renda diferente, pegava e colocava em cima de um papelão, esticava direitinho e com o alfinete furava direitinho, e fazia o pique.

Equipe do Projeto – De onde vinha, quem fazia?

Dona Ione – Isso eu não sei. Uma fazia da outra. Por exemplo, uma tinha uma renda que eu não tinha e aí falava me dá que vou tirar, e tirava. Uma passava pra outra. Era assim.

Equipe do Projeto – A senhora tinha ideia de quem eram as rendeiras mais antigas?

Dona Ione – As mais antigas eram a Dona Davina, a Dona Bernardina, a Dona Emilinha, a Dona Geraldina que era chamada de Comadre Geraldina, Dona Menininha e Dona Luizinha que era mãe de Dona Rosinha Leão. Na casa de Dona Rosinha era ela, Dona Mariquinha e Dona Adilina. Aqui falou que era mulher, fazia renda!

Equipe do Projeto – Como vocês faziam renda, vocês se sentavam no chão, nas esteiras, e também pegavam uma cadeira?

Dona Ione – Sim, a gente se sentava no chão, nas esteiras, ou então a gente colocava pegava uma cadeira e colocava as almofadas e colocava outra cadeira de frente e colocava um encosto na almofada, um pedaço de madeira, para ela não rolar.

Equipe do Projeto – A senhora se lembra, das gerações mais novas, quem tenha passado o ensinamento para outras, para as filhas?

Dona Ione – Das gerações mais novas não. Teve um tempo em que só aqueles idosos que faziam. Iam morrendo e ia ficando poucos. Aí começaram a trabalhar fora, a sair, e ninguém se interessava. Só fazia mesmo aquele que sabia. Por exemplo, a filha de Dorinha, a Mariza (instrutura do Grupo Barra de renda) hoje faz renda. Na casa de Dorinha era a mãe e todas as irmãs dela que faziam renda. Depois Dorinha foi trabalhar fora, foi trabalhar na escola, e parou de fazer renda. Antes ela já não fazia porque lavava roupa pra fora. E assim foi parando.  Eu mesma, minha almofada está guardada.

Equipe do Projeto – Depois que a senhora parou de fazer renda, teve uma época que a senhora andou demonstrando como se fazia a renda de bilro?

Dona Ione – Quando eu comecei a trabalhar na Prefeitura, a Albenes Meireles que era Secretária de Educação, botou nas escolas trabalhos manuais e eu dava aulas de crochê e eu comecei com a renda, mas não foi a frente não. Depois, passados uns tempos, o Alvarito Mendes foi secretário de Cultura, e me chamou para ir na Prainha, para fazer umas apresentações para as escolas. Eu ia pra lá e fazia renda e mostrava. Eu ficava fazendo a renda para as pessoas que iam lá ver.

Equipe do Projeto – Nessa época, a senhora ainda sabia de pessoas por aqui que faziam renda?

Dona Ione – Sim, só as idosas que tinham costume de fazer, a dona Bernardina, a dona Bernardina que morava do meu lado fazia, era a mãe de Dona Ester que também fazia. A Enedina fazia, a Dona Mariquinha fazia, a Rosinha fazia, a Julia fazia. Em Vila Velha tinha muita gente que fazia renda. A mãe de Dona Marina, esposa de Américo Bernardes (ex-prefeito de Vila Velha em dois mandatos: 1963–1966 e 1977–1982), também fazia renda.

Equipe do Projeto – Vocês ouviam falar das rendeiras de Guarapari?

Dona Ione – Não, não. Era mais aqui da Barra e de Vila Velha. Às vezes tinham algumas de Jaguaruçú que fazia, de Jabaeté, Ponta da Fruta. Em Jabaeté eu lembro da prima da minha avó a Mada, Madalena era o nome dela.

Equipe do Projeto – Qual era o nome da sua avó?

Dona Ione – Minha Avó era a Mariana da Vitória.

Equipe do Projeto – E a irmã da sua avó que era rendeira deveria ser Mada da Vitória né?

Dona Ione – Sim, sim.

Equipe do Projeto – E a senhora não tem nem ideia de onde veio a renda pra Barra do Jucu Dona Ione?

Dona Ione – Que eu me lembro não.

Equipe do Projeto – A senhora sabe de alguma história de rendeira vindo de Viana, Caçaroca, Araçatiba?

Dona Ione – Não, Não. Araçatiba era ligado com Jabaeté, Caçaroca com Camboapina, Jaguaruçu, Tanque. Itapuera fazia muita renda. Lá tinha a Dona Aninha. A mãe dela devia fazer, porque se ela aprendeu né!

Equipe do Projeto – Dona Ione, nessa época que vocês faziam renda morava todo mundo aqui nesse meiozinho da Barra?

Dona Ione – Não. Lá pra baixo tinha gente também. Aqui era dividido assim: Barra de Cima era até a igreja. Da igreja até onde é o Pertim (Padaria da Barra) era a Barra do Meio, e pra frente era a Barra de Baixo. A Barra de Baixo era do Mário Braga (bar) pra lá. Tinha a casa do pessoal do Bianco, do Seu Astério. A Barra Dois não tinha nada não. Era lagoa.

 

Registros da Entrevista com Dona Ione: