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REGISTROS HISTÓRICOS SOBRE RENDA DE BILROS NO ESPÍRITO SANTO

Um produto artesanal, como renda de bilr0s, busca dar personalidade as diferenças culturais, mostrando sensibilidade e simbologias como valores agregados ao fazer artesanato.

A renda de bilros como atividade artesanal contrapõe a um produto “globalizado”, como as rendas industriais. As rendas industriais tem o caráter impessoal pois são feitas em escala comercial por maquinas e em série. A renda de bilros, processo manual, é uma atividade artesanal que faz parte da identidade cultural de uma localidade como a Barra do Jucu, no Espírito Santo.

A atividade das rendeiras da Barra do Jucu mostra uma forma de resistência diante da globalização. Os processos industriais da renda de bilros são responsáveis por uma padronização atropela os costumes e modo de vida das comunidades tradicionais.

Biard, Auguste François, 1798-1882 – Dois anos no Brasil – Tradução de MARIO SETTE
COMPANHIA EDITORA NACIONAL, São Paulo – Rio de Janeiro – Recife – Bahia – Pará – Porto Alegre – 1945 – 250 p

– F. BIARO – 1862 – p62 – Todavia, sou obrigado a reconhecer que graças a uma dessas missivas obtivemos cavalos para nosso transporte e um negro para trazer os animais quando deles não mais precisássemos.

Era do nosso intento deixar as bagagens, em Vitória e ao atingirmos Santa Cruz mandar buscá-las cm canoas. E como não tivéssemos de partir logo fui dar uma volta pela cidade e seus arredores; foi, ali, que vi pela primeira vez um grupo de índios formando uma espécie de bairro. São bem numerosos êsses indígenas: a sua habitação sem que se possa chamar urna casa, não é, contudo, mais uma taba. :Eles já tinham certos hábitos civilizados. Entrei numa dessas habitações: em quase tôdas, mulheres faziam rendas de almofada e se via um periquito empoleirado num pau. Vi, também, alguns papagaios soltos. P62

Biard, Auguste François, 1798-1882 – Dois anos no Brasil Tradução de MARIO SETTE
COMPANHIA EDITORA NACIONAL, São Paulo – Rio de Janeiro – Recife – Bahia – Pará – Porto Alegre – 1945 – 250 p

KEYES, Julia Louisa. Nossa Vida no Brasil: imigração norte-americana no Espírito Santo 1867-1870. Vitória: Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

           Não sabemos porque nos sentimos tão privilegiados, mas suponho que era porque tudo parecia tão diferente de uma cidade americana que não podíamos refrear nossa curiosidade. Se à época conhecêssemos os brasileiros melhor, teríamos conscientemente agradado ao invés de ofender, já que é sinal de boa educação entre eles examinar, em escrutínio, a aparência da redondeza e realizar cumprimentos agradáveis e lisonjeiros quando adequada às suas impressões, ou, de outro modo, se a opinião diferir.

      Alguns foram atraídos ao verem mulheres fazerem renda, sobre almofadas, o que era feito com grande destreza, usando inúmeros alfinetes e bilros.  Esses bordados e pontos eram realmente belos e as senhoras usavam-nos para adornar seus vestidos.

       Suas fronhas são abertas em cada ponta, com um laço na borda da bainha. Garotinhas de todos os tamanhos têm conhecimento dessa arte e usam os alfinetes e bilros de forma tão ágil quanto suas mães, e as classes mais pobres fazem-na e a usam em grande quantidade.

     Descobrimos o artesanato como uma característica do sexo frágil, e nos surpreendemos com a beleza de seu trabalho com a agulha, em casas completamente desprovidas de luxo e escassas em conforto.p78-79

Saint-Hilaire, Auguste de, 1779-1853 – Segunda viagem ao interior do Brasil: Espirito Santo – trad. de Carlos Madeira. – – São Paulo
Editor: Cia. Ed. Nacional – Ano:1936 – 245p

      Na provinda do Espirito Santo as mulheres não se escondem, como acontece em Minas; recebem o estrangeiro, conversam com elle e concorrem em fazer-lhe as honras da casa.

        A tecelagem de algodão é a que ellas são acostumadas; quasi todas também fazem renda mais ou menos commum e teem o habito de trabalhar acocoradas sobre pequenos estrados, de um pé, mais ou menos, acima do soalho; é, sem dúvida, _ pelo exemplo dos indios, que não escondiam as mulheres, que as da provinda do Espirito Santo devem a liberdade que desfrutam e esse. resultado não é o unico neste paiz, sobre os costumes dos portugueses em contacto com os numerosos indigenas. A lingua _portuguesa tem sido alterada no Espirita Santo, por essas influencias continuas, e muitas palavras em uso, nesta região, não seriam, certamente, comprehendidas às margens do Téjo ou do Minho, nem mesmo no Rio Grande do Sul ou Minas Geraes. P 36

Viagem de Pedro II ao Espírito Santo / Rocha, Levy, 1916-2004 Arquivo Público do Estado do Espírito Santo – Secretaria da Cultura – 283p

         Os vinte e quatro remanescentes preferiram desprezar as culturas de milho, arroz, cana, e outros cereais; liquidar com as últimas cabeças de gado e com os dois lotes de burros que serviam para o intercâmbio das suas mercadorias; abandonar a dezena de casas que possuíam, algumas cobertas de telhas, por eles mesmos fabricadas, os paióis, monjolo, chiqueiro, e ficarem ali mesmo por Vitória, formando uma espécie de bairro da cidade. As suas mulheres já haviam aprendido a fazer rendas de bilros e eles, sempre peritos na confecção de redes e tarrafas de tucum, estariam melhor como pescadores. p102

Bueno, Beatriz – Guarapari, muito mais que um sonho lindo – Beatriz Bueno – Brasilia Thesaurus 2011 – 224p.

           Há cultura de café e gêneros alimentícios, mas a formiga persegue muito.

          Se a imperatriz houvesse descido em terra, as peritas bordadeiras da vila não perderiam a ocasião de lhe mostrar as suas famosas e delicadas rendas de bilros ou crochê, trabalho de paciência do qual gozavam famaP28

CAPÍTULO III – PREFEITOS DO SÉCULO XX – Fatos Importantes

…Segundo Eurípedes Queiroz do Valle – Pequeno Dicionário Informativo  do Espírito Santo, 2ª Edição – 1959

          No ano de 1950, a população totalizava 12.350 habitantes, dos quais 2.312 se localizavam na sede. Guarapari era o maior exportador de areias monazíticas do estado. O comércio era pequeno. “Muito apreciada é a sua indústria de renda de bilro e a de utensílios, adornos, recuerdos e enfeites de conchas”. P65

       Em 1962 é inaugurada a luz da Escelsa, com uma produção de 1000 kw, os postes vieram de Linhares. Para a solenidade foi montado um cenário de maternidade, na carroceria de um caminhão; na porta, Dona Conceição Teixeira, parteira famosa simbolizando o nascer de uma criança – dando a Luz e vestida a caráter. Compondo a encenação a rendeira Dona Gedi, com sua almofada e o Sr. Urbano (marido de Dona Conceição).  P66

ARTESANATO

          ”Desde onde a memória alcança o barulho dos bilros e o caldeirão de cola fervendo para unir delicadas conchas, fizeram parte tão integrante de Guarapari, quanto suas areias e suas imensas castanheiras”

                                                                                                   Gilda Grimaldi

1 – RENDA DE BILRO

        As rendeiras do litoral sul do Espirito Santo, especialmente em Guarapari, produzem um artesanato da mais singela beleza e refinada técnica. Faltam incentivos e divulgação, mas como genuína fonte da cultura, elas persistem.

            Supõe-se que esse artesanato foi introduzido pelos colonizadores, visto que os vestidos, as anáguas das damas e vestes dos cavalheiros, bem como as roupas de cama, toalhas de lavabo e de mesa, eram ricamente enfeitados de rendas. As rendas eram confeccionadas pela criadagem. Em Guarapari que as faz são as mulheres dos pescadores e o que arrecadam com a venda serve para complementar o orçamento familiar, p191

Utilizam na fabricação de renda:

  • Uma almofada, feta pelas próprias rendeiras que as enchem com folha de bananeira seca
  • Um papelão com o esquema da renda furado com alfinetes. No verso dos papelões eram anotados versos e letras das músicas que cantarolavam enquanto teciam.
  • Os bilros são pequenos fusos que consistem numa haste com esfera com coco de Iri ou de Emburi, de uma espécie de palmeira que se desenvolve perto dos brejos. O coco é perfurado com uma ponta de ferro aquecido para permitir o encaixe da base de madeira, a haste, que é trabalhada a canivete. A linha é enrolada e vai se desenvolvendo á medida que a renda é tecida. A quantidade de bilros depende da renda que se está criando. Os melhores bilros são os que fazem zuada, nem pesados nem leves, caem naturalmente e esticam o fio. Antigamente os esporões de peixes e ferrão do rabo da arraia eram usados como encosto dos bilros, bem como um arame grosso com uma das pontas polida e a outra envergada.

O cartão perfurado com piques, ou seja, o esquema da renda é preso sobre a almofada para ganhar a confecção. Trocando os bilros, isto é, entrelaçando os fios que estão presos nos bilros com uma habilidade fantástica, as artesãs produzem delicadas e belas rendas de entremeio e bico, estreitas e largas, flor de mamão macho, margarida, galinha com seus pintinhos e aplicações como: lacinhos, cestinhas, abacaxis, laranjas etc. Toalhinhas para bandeja, mesa, apoio de copo, golas e palas.

Os pontos recebem nomes especiais que variam de acordo com a região, como pano de crivo, trancinha, trocadilho, trançado, matachim, trança, pano de serêncio, pano fechado, pano baiano, pano inteiro, pano aberto.

Também é costume conservar os bilros da família, com os quais aprenderam a trabalhar. p192

RENDEIRAS DE GUARAPARI E MEAÍPE

          Ana Maria dos Santos, conhecida como Dona Aninha, morava na Rua do Trabalho e começou a fazer renda antes dos sete anos. Filha da famosa rendeira Vitória Maria da Conceição – Vovó Vitorinha – brincando de rendeira, colocava os bilros ao lado da almofada de sua mãe e foi assim que se tornou artesã e escultora de rendas.

          Olga Pinheiro de Jesus, mora no Caminho da Fonte e aprendeu esta arte com sua mãe, Geraldina da Conceição Pinheiro e seus bilros foram feitos pelo seu pai. Ultimamente seu trabalho se resume em fazer demonstrações.  Dona Olga tem uma memória fantástica e muito do que conseguimos resgatar, da história, do artesanato e do folclore (letra e música), foi graças aos depoimentos desta senhora, que é a memória viva de Guarapari.

          Dona Estela, esposa do Senhor José Lyra, há pouco falecida, criava rendas diferentes e era habilidosa bordadeira, todos se reuniam a sua volta para fazer rendas. Ensinou suas filhas gêmeas Paixão e Madalena.

         Dona Alzira Vieira de Mattos Bresciani, nasceu em Meaípe em 1910 e faleceu em 1985. Aprendeu a fazer renda aos cinco anos de idade, com sua madrinha Belarmina Vieira de Mattos. Dona Zizi, como era conhecida, foi uma rendeira famosa, quem vinha comprar suas rendas era a esposa do Presidente Geisel.

          Dona Carlinda, residente na rua São Pedro, em Muquiçaba.

          Maria Brandão residente no Caminho da Fonte, também era famosa rendeira.

          Dona Zota, fazia blusas e vestidos de renda.

          As irmãs Maria e Laura, residentes no centro, em frente à agência dos Correios.

          Dona Zulmira Fernandes, fazia renda desde criança.

       Dona Maria Julieta, também falecida, morava em frente ao Forum (hoje Câmara de Vereadores) na rua Getúlio Vargas; podia ser vista pela janela tecendo rendas e sempre pronta para um papo animado com os que passavam. p193

         Em 1989, a Secretaria Municipal de Cultura criou a Casa da Rendeira, em Meaípe e foram contratadas 6 rendeiras, contrato que durou pouco tempo. Antes elas ficavam na Casa da Cultura de Guarapari, onde demonstravam esse importante artesanato. Abaixo os nomes destas artistas do bilro:

          Antônia Almeida Leal

          Arlete Santana Leal

          Lúcia Helena Santana Leal

          Maria Auxiliadora S. Serafim

          Maria José Serafim Leal

          Marilda Silva Souza

Nossa homenagem a todas as rendeiras:

NOSSAS RENDEIRAS

                                    Beatriz Bueno – 1991

 

Antigas senhoras,

Serenas, tranquilas,

Seus dos são ágeis,

Iguais bailarinas

Na dança dos bilros

Cuja sinfonia,

São teias de renda.

 

          Alguns cantos entoados pelas rendeiras, no ato de trançar, foram colhidos pela Folclorista Isabel Serrano. p194

 

Sou rendeira, faço renda

Tendo renda na almofada;

Quando vejo o meu amor,

Não faço renda nem nada.

 

Aqui faço minha renda,

A renda dos corações;

Os alfinetes que espetam

São nossas ingratidões.

 

Jacaré pau de espinho

Caranguejo anda na praia,

Também anda meu benzinho

Na renda da minha saia.

 

Essa almofada me mata,

Estes bilros me consomem;

Os alfinetes me espetam

A renda me tira a fome.

 

Tiro renda, boto renda,

Tiro renda da almofada;

Por causa do meu amor

Não faço renda nem nada.

 

Menina levanta a saia,

Não deixa a renda arrastar,

A renda custa dinheiro,

Dinheiro custa ganhar.   p195

ARTESANATO BRASILEIRO – Edição FUNARTE – Rio de Janeiro 1986

Rendeira trabalhando na almofada, utilizando a técnica dos bilros.  Espirito Santo – p111

Paninho confeccionado seguindo as técnicas dos bilros.  Espirito Santo – p113

ARTESANATO BRASILEIRO – Edição FUNARTE – Rio de Janeiro 1981

          No Estado do Espírito Santo, existem rendeiras nas praias de Nova Almeida, Guarapari e Meaipe. – p49

         As denominações dos motivos adquirem aspectos regionais, recebendo das artesãs grande carga criativa. Outros motivos se mantem numa linha tradicional, passando de geração a geração.

          Na Bahia: bico de rainha, renda do amor despedaçado, do coração desencontrado.

          No Maranhão: farinha seca, entremeio do sabão, bico de aliança, renda da esposa, bico de dente de rato.

       Ainda no Nordeste: bico de percevejo, bico de xexéu, bico do abano, bico da baratinha, renda de pé de coelho, renda de coentro, bico pestana.

          No Espirito Santo: bico rabo de pavão, bico de bilro grosso, bico das margaridas, aplicação de abacaxi. p51

          Entremeio do arco – pontos: meio ponto e perna cheia – Ilha de Santa Catarina, Santa Catarina.

          Entremeio do matachim. Guarapari, Espirito Santo p64, 65

          Entremeio – pontos: meio trocado e trocado inteiro, Cabedelo, Paraiba.

          Entremeio, renda regalada. – Ilha de Santa Catarina,  Santa Catarina.

          Entremeio do camarão. – Arraial do Cabo.- Estado do Rio de Janeiro.

          Entremeio quatro rosas – Arraial do Cabo.- Estado do Rio de Janeiro.

          Entremeio da jiboia – Campos – Estado do Rio de Janeiro.

       Avó, filha e neta fazem renda de bilro. Observa-se a continuidade da técnica artesanal através das gerações. Guarapari, Espírito Santo p78, 79

UTILIZAÇAO E COMERCIALIZAÇÃO

          No Espirito Santo, o principal centro de vendas é a praia de Guarapari, polo turístico do Estado. Entretanto, nas outras cidades produtoras, é também adquirida a renda de bilros por turistas, em geral provenientes de Minas Gerais, que passam o verão nas praias capixabas.  p86

          Detalhe de pala em renda de bilro – bico de pavão – Guarapari, Espirito Santo p88

          Aplicações em renda de bilro – Ao centro a aplicação do abacaxi – Guarapari, Espirito Santo, e as demais da Ilha da Maré, Bahia p90

Brasil Original artesanato: Espirito Santo – Vitória: SEBRAE/ES, 2017 148p.;il

MUSEU VIVO DA BARRA DO JUCU

Fios e tecidos.

Bolsa rendeira

Código MVG02

Matéria prima: tecido

Técnica: aplicação em bordado patch

aplique manual e renda de bilro

Cores: diversas

Medidas: 37 x 37 x 12cm

Peso: 140g p84

Mini bandeja rendas

Código MVR02

Matéria prima: madeira e renda

Técnica: marcenaria e bordado de bilro

Cores: natural

Medidas: 40 x 20 x 2cm

Peso: 1.110g p84

Mesa bilro

Código MVR01

Matéria prima: madeira e renda

Técnica: marcenaria e renda de bilro

Cores: natural

Medidas: 55 x 32,5 x 68cm

Peso: 4.650g p84

Mulheres Capixabas incríveis/coordenação Mônica Boiteux –1 Vila Velha, ES; Ângela Cristina Pereira Xavier: Coletivo Delas, 2021

Olê, Mulheres Rendeiras

          Houve um tempo em que quase todas as mulheres da Barra do Jucu faziam rendas de bilros para ajudar no sustento de suas famílias…eram Bernadinas, Davinas, Mariquinhas, Rosinhas, Marias, Enedinas, Zuzus, Leniras, Luzias, Penhitas, Menininhas, Carmelitas, Izauras, Palmerinas, Emilinhas, Genedis e tantas outras a tecer suas rendas.

          Trazida da Europa pelos portugueses, a renda de bilro disseminou-se principalmente em áreas litorâneas dos estados do Nordeste e Sul do país. No Espirito Santo, tem-se registros de confecção de renda de bilro em Anchieta, Marataizes, Guarapari e Vila Velha.

          Em Vila Velha, mais especificamente na Barra do Jucu, os registros datam do início do século passado, estando as rendeiras ainda vivas, na faixa de 80 e 90 anos. Tratava-se da maior fonte de renda das mulheres da localidade.

          Os maridos, pescadores artesanais ou pequenos agricultores, ajudavam na comercialização, levando as rendas para vender no centro de Vila Velha, onde iam comercializar o excedente de suas produções. Na Vila, era comum ouvir o bater dos bilros ao se passar em frente às casas, na praça ou embaixo de alguma árvore. As mães, filhas e até mesmo os filhos faziam rendas para ajudar no orçamento da família.

          Com o crescimento da comercialização das rendas industriais e a desvalorização dos trabalhos manuais, as rendeiras da Barra do Jucu, há aproximadamente 50 anos, foram parando de fazer rendas. Nos últimos anos, somente uma delas, D. Enedina França de Paiva, fazia rendas de bilro para sua própria família e para a igreja. As demais haviam parado e até mesmo se desfeito de seus materiais de trabalho.

          Em 2005, iniciou-se um trabalho de resgate. Depois de uma longa pesquisa, confecção de bilros, piques, almofadas e cavaletes, em 2016, começou a funcionar a oficina de renda de bilro. Para tanto, D. Rosa Leão Malta, de 86 anos de idade, que já havia parado de produzir há mais de 30, se dispôs a ensinar na oficina criada pelo Museu Vivo da Barra do Jucu. A pesquisa e a coordenação desse trabalho sempre estiveram a cargo de Regina Maria Ruschi, moradora da comunidade.

          Em 2017, as oficinas de rendas de bilros tornaram-se independentes, criando-se o Grupo Barra de Renda. Desde então, o grupo de rendeiras cresceu muito e passou a contar também com Mariza Vieira Gervasio e Rosiane Maria Biet como instrutoras. Em 2019, D. Rosinha faleceu, deixando ao grupo o legado desse oficio.

GUILHERME SANTOS NEVES

Centro Cultural de Estudos e Pesquisas do Espírito Santo – Vitória, 2008 – 1o volume

Seleção, organização e edição de texto: Reinaldo Santos Neves

COLETÂNEA DE ESTUDOS E REGISTROS DO FOLCLORE CAPIXABA:

1944-1982

          Deve-se ressaltar: por registrarem e interpretarem as manifestações folclóricas espírito-santenses de uma época irremediavelmente passada, a perenidade destes artigos está garantida numa tríplice condição. Primeiro, por darem notícia de fatos folclóricos já desaparecidos, ou que se modificaram substancialmente. Exemplos: assim era realizada a festa da Penha; dessa forma se dançava o alardo; de tal maneira é que se faziam as rendas em Guarapari p 39

Por que o artesanato foi pouco contemplado nesses escritos de Guilherme Santos Neves? Algumas explicações podem ser avançadas. O artesanato ainda estava muito presente na vida cotidiana dos capixabas daquela época; quer dizer, seu caráter utilitário era ainda muito evidente, o que talvez tenha contribuído para ser considerado como não-prioritário nos estudos folclorísticos, direcionados de preferência às outras manifestações que corriam risco de desaparecimento. Mas o que no artesanato capixaba se distinguia (as rendas de bilro, as panelas de barro, etc.) foi objeto de sua preocupação. p 41

      A partir do dia 22 de agosto [de 1949] foi aberta à curiosidade e visita do público a “Exposição de material folclórico”, nas vitrines da Casa Philco. Ali foram expostos, além de parte da preciosa coleção de bonecas que pertenceu ao escritor Saul de Navarro, gentilmente cedida pela Academia Espírito-santense de Letras, centenas de objetos de arte popular e tradicional, jogos e brinquedos infantis, indústria do povo etc. Desse material podemos citar: colares de conchas (Guarapari), setas, bodoques, casaca – instrumento de música – (Nova Almeida), bilros e rendas no próprio almofadão, agulhas de fazer rede de pescar, figas, papagaio… p 321

MÃO E OBRA

Artesanato no Espírito Santo

SENAC.DR.ES. Mão e Obra: artesanato no Espírito Santo/

Renato Pacheco; Luiz Guilherme Santos Neves; Humberto Capai. Vitória: SEBRAE, 2001. 147 p.il

RENDAS E BORDADOS

           Rocas e teares sempre foram instrumentos femininos que integraram o mobiliário das casas brasileiras até o começo deste século. Presas a esses aparelhos, as mulheres se mantinham ocupadas, vivendo a maior parte do tempo dentro do lar, entregues às prendas domesticas, expressão que, aliás, acabou qualificando a dona de casa numa verdadeira categoria civil. Os piques (guias), bilros e almofadas das rendeiras tiveram papel equivalente ao das rocas e teares.

       No Espírito Santo, tornaram-se famosas as rendeiras de Guarapari (Meaípe) e Anchieta (Ubu). Trabalho tipicamente artesanal, transmitia-se pelo aprendizado familiar, de mãe para filha. Favorecia sua difusão a abundância de algodão no Espírito Santo, pois, na forma tradicional, a própria rendeira fiava o algodão de que ia necessitar para seu ofício. O trabalho, cansativo e paciente, era mitigado com cânticos que passavam de rendeira a rendeira, numa receita comum.

                Esta almofada me mata,

                estes bilros me consomem,

                os alfinetes me espetam,

                a renda me tira a fome.  

          A indústria textil, em sua expansão mundial, afetou o artesanato das rendeiras, que estão em processo de extinção no Espírito Santo, até porque as novas gerações não se interessam pelo aprendizado da técnica. Mesmo assim, em Meaípe e Anchieta ainda é possível encontrar rendeiras que continuam, como há 100 anos, tecendo, em almofadas de palha de bananeira, feitas por elas mesmas, centros de mesa, colchas, toalhas e golas, para vender a turistas, no verão, ou para uso próprio.

              Além das confecções das rendeiras tradicionais, rendas, bordados e apliques são utilizados como arremates em toalhas de mesa e de banho e em colchas, vendidas em casa de artesanato e nas feiras do Espírito Santo.

Catálogo do artesanato capixaba 2012/ Coordenação Geral e Assessoria Artística de Tereza Giuberti – Vitória: CSA, 2012. 500 p.:II.; 31cm

Guarapari

MICROREGIÃO METROPOLITANA

Produto Souvenir

Origem: Guarapari (Meaípe)

Matéria-prima: Linha, alfinetes, madeira e tecido.

Técnica: Montagem

Artesãs: Dilma Sant’ana, Jovelina Almeida Nascimento e Vera Lúcia Rocha Assunção.

RENDA DE BILRO OU DE ALMOFADA

“Onde há rede há renda”

         Dito popular português e que sobreviveu no Brasil mostra a origem popular da renda de bilro. A técnica até hoje utilizada consolidou-se no Brasil no final do século XV.

      A Renda de Bilro é também conhecida como Renda de Almofada. O que caracteriza a Renda de Bilro ou de Almofada é o que o próprio nome significa. É a renda tecida com bilros, tendo como base um papelão picado, também chamado de “pique”, afixado numa almofada cilíndrica por meio de alfinetes ou espinhos. A própria forma ou imagem da renda a distingue das demais elaboradas com agulha.

       É o tipo de renda de maior abrangência geográfica no Brasil, situando-se notadamente no litoral. No Espírito Santo, as rendeiras são encontradas principalmente nas praias: em Guarapari – Meaípe; Conceição da Barra; São Mateus; Itapemirim; Marataizes.

          Os bilros são pequenas peças de madeira e coco.

      “Talvez nenhum outro traço cultural, comum a muitos povos, se haja aculturado de maneira tão completa no Brasil… A técnica hoje utilizada consolidou-se no final do século XV, época da descoberta e povoamento do Brasil.” ¹

          A renda de bilro do Espírito Santo é considerada uma das mais bem executadas no Brasil, comparando-se às de Santa Catarina. Apesar de atualmente ter desaparecido em alguns municípios, ainda são encontradas nos locais acima mencionados. Em Meaípe, município de Guarapari, hoje as rendeiras estão organizadas na casa das rendeiras, servindo de modelo às de outros municípios. Os modelos variados e antigos de bicos, entremeios e panos de bandeja convivem atualmente com a criação de objetos condizentes com a realidade do mundo contemporâneo. São bolsas, jogos americanos, arcos para prender os cabelos. Dessa forma, perpetua-se um dos mais tradicionais artesanatos do Espírito Santo.

Produto: Renda

Matéria-prima: Linha

Técnica: Trançado

Artesãs: Dilma Sant’ana, Jovelina Almeida Nascimento e Vera Lúcia Rocha

Artesã Vera Lúcia Rocha Assunção tecendo renda de bilro

Artesã Dilma Sant’ana tecendo renda de bilro.

Bilros que fazem arte

Luiz Guilherme Santos Neves

         Esta almofada me mata,
         estes bilros me consomem;
         os alfinetes me espetam,
         a renda me tira a fome.

          São apenas quatro versos, tirados do cancioneiro de trovas populares do Espírito Santo. No entanto, definem com eloquência versificada a sina das antigas rendeiras capixabas no tec-tec diário dos bilros de madeira do seu delicado e exaustivo ofício artesanal, herança que veio de Portugal.

           Pelo que me consta, essas rendeiras tradicionais constituem espécie de artesãs na borda da extinção, conquanto, à custa de esforço pessoal e persistente dedicação, algumas sobrevivam heroicamente em raras localidades do Estado.

         É o caso das rendeiras da colmeia cultural que é a Barra do Jucu, em Vila Velha. Dessas tomei conhecimento graças a um artigo (1) que me enviou o artista Kleber Galvêas sobre o seu querido reduto barrense. Marilena Soneghet, artesã literária que faz literatura com a sensibilidade de quem tece os bilros das suas crônicas com incomparável mestria, e que também se naturalizou barrense, confirma Galvêas: “Aqui na Barra, a Regina Ruschi fundou há alguns anos o Museu Vivo, que resgata tradições locais. Uma delas, a renda de bilro. Nas décadas de 40, 50, a Barra era um polo de rendeiras. Dessa turma só vivem duas, ambas com idade muito avançada”. De lambuja ainda cita, num segundo e-mail, os nomes de Enedina França de Paiva – “exímia rendeira, muito idosa, vive reclusa, extremamente tímida” – e Rosa Leão Malta.

          No vídeo As rendeiras e o resgate da cultura na Barra do Jucu, da autoria de Marcel Carone, facilmente visitável na Internet, passo também a conhecer dona Julia Ferreira, da qual reproduzo close-up de suas habilidosas mãos em pleno manuseio dos bilros:

          É incontestável que as velhas rendeiras do Espírito Santo, incansáveis Ariadnes na criação de rendilhados caprichosos e labirínticos, resistiram, enquanto puderam, ao embate com a tecelagem industrial que decretou, junto com o desinteresse das novas gerações pela prática do ofício, o fim de uma tradição manual que se fez muito para além de centenária, na zona litorânea do Estado.

          Mas se por acaso ainda sobreviverem rendeiras em terras capixabas tecendo rendas com seus bilros lustrosos pelo constante manuseio diante de gordas almofadas com forro de palhas de bananeira, proclamo – e com satisfação o faço – a falha do meu conhecimento.   

          Pessoalmente, vi rendeiras infatigáveis pautando a vida pela guia das rendas nas praias de Nova Almeida, Manguinhos, Guarapari (especialmente em Meaípe) e Anchieta. Muito mais, conheceu-as meu pai, Guilherme Santos Neves, apaixonado pelas coisas do folclore capixaba que as estudou à larga e documentou a fundo, como demonstra a foto que tirou em 1952 de uma rendeira de Guarapari. 

          O ofício se revestia de características especiais: trabalho manual, tipicamente feminino e doméstico, transmitido através de gerações de mãe para filha, dentro de um mesmo grupo familiar.  Favorecia sua difusão a abundância de algodoeiros no Espírito Santo, pois, na forma tradicional, a própria rendeira fiava o algodão de que ia necessitar em sua atividade artística.

          O resultado era infalivelmente primoroso: toalhas, panos, paninhos e babados de renda de vários tipos, todos de extrema brancura e leveza, utilitários e ornamentais, vendidos em feiras ou nas casas das próprias artesãs.

          Infalível também era o reconhecimento dessas casas, fosse pela fama das rendeiras, que corria terras, fosse porque, a uma simples visada no cômodo de entrada dos seus casebres, normalmente pobres e modestos, ali se viam as rendeiras entregues ao paciente manuseio dos bilros de madeira, ou, quando ausentes, lá estava o almofadão em que as rendas eram tecidas, posto num canto com o respeito devido a um paxá.

          Só não ficavam à mostra, porque guardadas como tesouros pessoais de cada artesã, as guias de papelão pelas quais teciam seus arabescos rendados como navegantes conduzidas por secretos portulanos ciumentamente protegidos nos esconderijos domésticos.

            Voltemos no tempo.

         Diversos são os registros documentais que repicam do século XIX até nós focalizando as rendeiras do Espírito Santo.

         Um deles, da autoria da norte-americana Júlia Louisa Keyes, data de 1867, e tem como localização a cidade de Vitória.

          Júlia veio com a família para o Espírito Santo em busca de melhores condições de vida, depois do revés que os confederados do sul sofreram com a Guerra de Secessão de 1862 a 1865 nos Estados Unidos.

          No diário sobre seus tempos de Brasil, registrou que, ao passar com a família por Vitória, a caminho do rio Doce, “alguns foram atraídos ao verem mulheres fazerem renda, sobre almofadas, o que era feito com grande destreza, usando inúmeros alfinetes e bilros. Esses bordados e pontos eram realmente belos e as senhoras usavam-nos para adornar seus vestidos. Suas fronhas são abertas em cada ponta, com um laço na borda da bainha. Garotinhas de todos os tamanhos têm conhecimento dessa arte e usam os alfinetes e bilros de forma tão ágil quanto suas mães, e as classes mais pobres fazem-na e a usam em grande quantidade. Descobrimos o artesanato como uma característica do sexo frágil, e nos surpreendemos com a beleza de seu trabalho com a agulha, em casas completamente desprovidas de luxo e escassas em conforto.” (2)
Bilros07

         Seis anos antes da “descoberta” que encantou Júlia Keyes, o pintor francês François Biard registrou em seu livro Dois anos no Brasil que, ao passar por Vitória, entrou em várias choupanas onde moravam índios que o informante considerou bastante civilizados, tendo deparado, em quase todas, com mulheres que faziam rendas de bilro.

          Por sua vez, o ilustre naturalista Augusto de Saint-Hilaire, quarenta anos antes de Biard, dá notícia, na obra em que trata da sua viagem ao Brasil, de que as mulheres do Espírito Santo (sempre elas) dedicavam-se à tecelagem do algodão, sendo que a maioria fazia rendas.

        Diante de tais testemunhos, não é descabido supor que os três informantes tivessem até ouvido os versos da quadrinha das rendeiras, entoados, talvez, com o coro das “garotinhas de todos os tamanhos”, durante as entorpecidas horas do “tectecqueante” trabalho a que se dedicavam dedilhando bilros fio a fio, na fieira dos seus dias de artesãs infatigáveis. 

(1) “Cultura barrense: pequeno inventário”.

(2) KEYES, Julia Louisa. Nossa Vida no Brasil: imigração norte-americana no Espírito Santo 1867-1870. Vitória : Arquivo Público do Estado do Espírito Santo.

Vultos, Fatos e Lendas Linharenses Lastenio Calmon Junior

Ano: 1975 / Páginas: 248
Idioma: português
Composto e impresso na

EDITORA LITTERA MACIEL Ltda.

Rua Genebra, 881 – Nova Suiça

Belo Horizonte – Minas Gerais

          Assim era repassada a vida do Linhares de outras eras entre as “rendeiras”, que tanto trabalhavam com os ágeis dedos como com a língua fuchiqueira.

        Assim era o Linhares que eu conheci, lindo de morrer, mas, decadente, parado no espaço, com suas antigas construções se arruinando e caindo aos poucos, as ruas empastadas de capim rasteiro tousado pelos animais, com trilhos pelo meio, por onde transitavam os seus poucos habitantes…p 165